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Arranjo agroflorestal para sistemas irrigados no semiárido de Alagoas

  • Foto do escritor: Instituto Terraviva
    Instituto Terraviva
  • 22 de out.
  • 7 min de leitura

Trabalho submetido ao Congresso Brasileiro de Agroecologia 2023, um relato de experiência técnica escrito pela equipe do Instituto Terraviva.

DUDA, João Itácito de Morais1; RAMALHO, Van Giap²; COSTA, Jônatas Oliveira³; MENDES, Davi de Barros⁴; ARAÚJO, Alexsander Rodrigues de⁵; NETTER, Luan Henrique Oliveira do Nascimento Lopes6.


Resumo

Este relato apresenta um desenho agroflorestal esquemático, para uma área de 0,5ha com irrigação, o qual foi elaborado de forma participativa no semiárido de Alagoas. O arranjo foi produzido como parte das ações do Projeto Ser-tão Mulher: Sistemas Agroflorestais e Energia Solar para a inclusão sócio produtiva aos ribeirinhos do Canal do Sertão de Alagoas, com meta de implantação de 10ha de agrofloresta, divididos em 20 Unidades Demonstrativas (UDs) de meio hectare cada. Os sistemas agroflorestais foram planejados em oficinas, nas quais foram trabalhados, de um lado, a discussão teórica-prática acerca dos SAFs e, de outro lado, a escolha criteriosa das espécies de plantas a serem cultivadas, com ponderação aos aspectos da cultura local, condições edafoclimáticas e mercado regional. A experiência com o desenho dos sistemas reforça a importância do planejamento para longo prazo, escasso no cotidiano e rotina dos beneficiários, que têm a periodização anual como marco referencial predominante.


Contexto

 

Este relato apresenta experiências do trabalho desenvolvido com grupos de mulheres e jovens do semiárido alagoano, especificamente nos municípios de Delmiro Gouveia, Água Branca, Inhapi e Pariconha (Mapa 1). Através do Projeto Ser-tão Mulher: Sistemas Agroflorestais e Energia Solar para a inclusão sócio produtiva aos ribeirinhos do Canal do Sertão[1] de Alagoas, executado pelo Instituto Terraviva em parceria com o Fundo Socioambiental da Caixa Econômica Federal e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), foram implantados 10 hectares de agrofloresta.


Mapa 1: Comunidades rurais atendidas pelo Projeto Ser-tão Mulher. Elaborado pelos autores (2020).
Mapa 1: Comunidades rurais atendidas pelo Projeto Ser-tão Mulher. Elaborado pelos autores (2020).

O Sistema Agroflorestal[1] é um instrumento pedagógico de articulação social, com perspectiva de desenvolver agroecossistemas participativos, contextualizados e produtivos. No projeto em tela, a disponibilidade de irrigação nas áreas ampliou as possibilidades de experimentação e oportunidades de êxito com esta tecnologia social.

As comunidades rurais trabalhadas incluem assentamentos de Reforma Agrária, territórios quilombolas e tradicionais de agricultura familiar, as quais foram selecionadas com ampla participação dos atores locais em seus espaços de diálogo, com destaque para o Colegiado Territorial do Alto Sertão[2]. No total, participaram 20 comunidades rurais, nas quais cada uma agrega 15 mulheres e jovens, responsáveis pelo planejamento, implantação e manejo de um SAF coletivo, com tamanho de meio hectare.

O objetivo, para curto e médio prazos, foi transformar essas áreas em Unidades Demonstrativas[3]. Tais ações foram mediadas e supervisionadas por meio dos preceitos da Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), estabelecidos na Política Nacional[4] e seus documentos correlatos, e aplicadas pelos agentes de Ater designados.

Nesta experiência os arranjos agroflorestais foram construídos, separadamente, em cada grupo/comunidade, com metodologias participativas, precedidas de oficinas de planejamento. Inicialmente foram definidas as culturas eixo, classificadas de acordo com tempo de permanência no agroecossistema, estrato de ocupação (baixo, médio, alto ou emergente) e funções ecológicas (a exemplo da ciclagem de nutrientes, produção de biomassa e alimento para fauna nativa) (MACEDO; VENTURIN, 2006).

Os arranjos foram pensados tendo a fruticultura como base produtiva. Por se tratarem de sistemas irrigados, foi possível utilizar culturas comerciais, exóticas e nativas. As frutíferas foram plantadas em consórcio com espécies produtoras de matéria orgânica lignificada em faixas de 5x5 metros. O espaço entre as faixas foi utilizado para o plantio de culturas anuais, como raízes, grãos e hortaliças, de acordo com a aptidão e avaliação de cada grupo.


Descrição da Experiência

 

Os arranjos foram estimulados com a fruticultura como base produtiva. Por se tratarem de sistemas irrigados, foi possível utilizar culturas comerciais, exóticas e nativas. As frutíferas foram plantadas em consórcio com espécies produtoras de matéria orgânica lignificada em faixas de 5x5 metros. O espaço entre as faixas foi utilizado para o plantio de culturas anuais, como raízes, grãos e hortaliças, de acordo com a aptidão e avaliação de cada grupo.

A área definida para experimentação foi de 0,5ha, aproximadamente 70x70m. O sistema de irrigação é o de gotejamento (especificações), que cobre toda a área em linhas paralelas e equidistantes em um metro.  A água é proveniente do Canal do Sertão, aduzida por uma bomba com potência de um cavalo (1cv), alimentada por energia fotovoltaica. O tubo utilizado da infraestrutura até a área é o de 50mm (PN60), e a mangueira de gotejamento foi com espaçamento 20cm entre os gotejadores e 1,6 litros por hora.

Figura 1: Croqui do sistema de irrigação implantado nas Unidades Demonostrativas do Projeto Ser-tão Mulher. Elaborado pelos autores (2023).
Figura 1: Croqui do sistema de irrigação implantado nas Unidades Demonostrativas do Projeto Ser-tão Mulher. Elaborado pelos autores (2023).

 

Apresentamos um arranjo mediano dos SAFs implantados no projeto. Trata-se, portanto, de um produto esquemático, tendo em vista que as variações podem ser consideradas significativas entre os vinte sistemas implantados. Por outro lado, acreditamos ser um instrumento importante da leitura do local e das possibilidades de replicação e aperfeiçoamento em outras realidades. A localização das plantas variam em cada unidade, pois foi considerada, também, a direção dos ventos, localização do sol, curvas de nível e condições de acesso.

Figura 2: Croqui do arranjo agroflorestal mediano das UDs implantadas no âmbito do Projeto Ser-tão Mulher. Elaborado pelos autores (2023).
Figura 2: Croqui do arranjo agroflorestal mediano das UDs implantadas no âmbito do Projeto Ser-tão Mulher. Elaborado pelos autores (2023).

Iniciamos o planejamento pela definição das culturas eixo, especialmente as que permanecerão por anos e que, por isso, precisam ser definidas com cautela e participação. As fruteiras, elementos perenes dos sistemas, foram citros (tangerina - Citrus reticulata; limão taiti - Citrus latifólia), goiaba (Psidium guajava), acerola (Malpighia emarginata), pinha (Annona squamosa), abacate (Annona squamosa) e manga palmer (Mangifera Indica). Totalizam 200 unidades e estão espaçadas com cinco metros e arranjadas através do sistema de plantio em triângulo equilátero.

Elemento perene e, igualmente importante, também presente são as espécies nativas, com variados estratos. Foram introduzidas aos sistemas em quantidade de 30% em comparação com as frutíferas, arranjadas com as seguintes espécies: Pau-ferro (Libidibia ferrea), ouricuri (Syagrus coronata), craibeira (Tabebuia aurea), mandacaru (Cereus jamacaru), trapiá (Crateva tapia), mulungu (Erythrina speciosa), pau d'arco (Tabebuia elliptica) e umburana (Amburana cearensis). A quantidade de espécies foi discutida nas oficinas, concluindo-se a necessidade de espaçamento e companheirismo.

A moringa (Moringa oleífera), gliricídia (Gliricidia sepium), feijão guandú (Cajanus cajan) e capim mombaça (Megathyrsus spp.), cumprem a função forrageira, atendendo a cultura local de criações, especialmente caprinos, ovinos e bovinos. Sua presença também busca solucionar uma grave deficiência das atividades agropecuárias da região: ausência de biomassa. A introdução dessas plantas inaugurou uma rotina de plantar para produzir material para proteger e enriquecer o solo. Introduz-se, igualmente, práticas de aproveitamento de recursos locais, portanto, contribuindo com a sustentabilidade dos agroecossistemas. As plantas chamadas de fontes de biomassa apresentam foram dispostas na mesma quantidade de fruteiras inseridas no sistema, em termos de indivíduo, podendo apresentar variações conforme as peculiaridades de cada área. O manejo dessas plantas foi objeto de formação após um ano de implantação dos sistemas.

As plantas de ciclo médio ou curto foram planejadas e inseridas aos sistemas, como forma de aproveitamento de área e tempo, além do domínio técnico das agricultoras e agricultores com mamão (Carica papaya), feijão de arranca (Phaseolus vulgaris), feijão de corda (Vigna unguiculata), milho (Zea mays), melancia (Citrullus lanatus), abobora (Cucurbita spp.), macaxeira (Manihot esculenta), batata (Ipomoea batatas) e inhame (Dioscorea cayanensis).

As hortaliças são os elementos de retorno financeiro mais rápido, dois meses após sua introdução. É válido mencionar que quantidade inserida aos sistemas foi muito variável. Há unidades para as quais o grupo optou por não inserir hortaliças. Nestas, outras culturas de ciclo curto ou médio foram inseridas. Em termos médios, representaram, aproximadamente, 40% da área produtiva nos dois primeiros anos. A tendencia é de redução, considerando o amadurecimento das fruteiras e nativas, e sua consequente competição por luz solar.


Resultados

 

O planejamento e implantação dos SAFs foi um desafio pedagógico significativo aos agentes de Ater e supervisores do Instituto Terraviva.  Definir espécies de forma participativa e arranjá-las em uma área para promoção de biodiversidade exige a utilização de instrumentos de mediação eficientes e debate técnico (ALVES, et al., 2019). Constatamos que o planejamento estratégico, conforme descreve Oliveira (2005), não tem sido uma ferramenta na rotina das famílias, exigindo atenção e maior dedicação a esta temática nos momentos formativos. O trabalho com policultivos e biodiversidade também foi avaliado como de alta complexidade pelos partícipes, explicado pela inexperiência com agricultura irrigada. Por outro lado, as atividades de implantação foram promissoras e evidenciaram o potencial de trabalho coletivo dos grupos, mas ainda encarado com descrédito por muitos beneficiários.

Sobre os aspectos de implantação, destacamos que as UDs que apresentaram terreno com declividade desafiaram a implantação dos arranjos, tendo em vista que a irrigação continuou em paralelos equidistantes e os plantios em nível. O espaçamento do gotejamento, em 20cm, permitiu o atendimento de toda a área, sem prejuízo à necessidade das plantas.

As UDs em áreas planas foram as que apresentaram maior facilidade e, portanto, celeridade na implantação. Desenhos cartesianos, herança dos monocultivos, resistem na cultura campesina, exigindo uma transição ao holismo, inerente à Agroecologia (CAPORAL, 2007).

O arranjo médio foi difundido em relatoria e oficinas de implantação de SAFs, tendo sido sugerido alterações de espaçamento e maior disponibilização de nativas, sobretudo arbustivas.

 

Agradecimentos

 

Agradecemos ao Fundo Socioambiental (FSA) da Caixa Econômica Federal e ao Sebrae Alagoas o apoio financeiro para a realização do Projeto. Igualmente, aos agentes de Ater e às agricultoras e jovens agricultores que depositaram confiança nas ações do Projeto e seus potenciais resultados, demostrado nos resultados alcançados.








[1] Maior obra hídrica do Estado de Alagoas, idealizada em 1992 e que canaliza água do Rio São Francisco até a parte central do Estado, no município de Arapiraca, percorrendo mais de 200km no semiárido alagoano. O investimento público ultrapassa 3,5 bilhões de reais, de acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU) (2020).

[2] Um sistema agroflorestal é uma tendência de uso produtivo do solo em que árvores são manejadas em associação com culturas agrícolas e animais em interação sustentável.

[3] Espaço de controle social formado por presidentes de associações comunitárias rurais, lideranças comunitárias, representantes do poder público estadual e locais, estudantes e interessados.

[4] Refere-se à demonstração de resultados de tecnologias geradas na forma de produto final replicável (EMBRAPA, 2010).

[5] Lei nº 12.188 de 11/01/2010.


 
 
 

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